Caro leitor:
Meu amor pelos botequins é tão grande que literalmente já dei uma volta ao mundo correndo atrás deles. Mas, quando se trata de dar a volta na Ilha Grande, esse paraíso perdido no nosso quintal sul-fluminense, eu simplemente não consigo. Sempre paro na metade do caminho. Quando dou com os costados nas águas acolhedoras da distante Praia Vermelha – a última do lado de dentro da baía, já nos arredores da Ponta do Acaiá, no extremo sul da ilha – desisto de seguir viagem e fico lá por ali mesmo…
É que ali, dileto legente, esconde-se uma das mais extraordinárias preciosidades etílico-gastronômicas deste nosso amado estado do Rio de Janeiro: o restaurante Ponta da Barca (@pontadabarca), na enseada da Praia Vermelha.
Quando meus novos editores aqui do portal Tempo Real RJ me informaram que constava das minhas atribuições profissionais de botequeiro residente visitar, ao menos uma vez por mês, uma birosca de fora da capital, não pestanejei ao escolher meu primeiro destino. E cá estava eu dias atrás, em plena segunda-feira, “trabalhando” na areia dourada da praia, sentado numa antiga mesinha amarela da Skol, aninhado sob um guarda-sol da Bahma, com um lap-top velho na barriga cada dia mais propensa a tornar-se aparador, e tomando uma Original trincante, ladeada por um copinho de cachaça. Descrição melhor de idílio? Não há.
Pois que no Ponta da Barca, caro leitor, a cachaça impera desde tempos imemoriais. No salão simples do restaurante inaugurado há 20 anos, elas serpenteiam pelo balcão às dezenas. Tudo fruto da paixão do fundador da casa – o saudoso Fernando, precocemente falecido há pouco mais de um ano – pelas caninhas de todas as madeiras, guardas e terroás.
Onde mais se pode tomar uma Tabaroa, uma das mais raras e cultuadas branquinhas artesanais do Brasil, de frente para o mar verde da Ilha Grande, ouvindo um mix de Clube da Esquina, bossa nova e rock’n’roll? Só lá mesmo, no Ponta da Barca da Ilha Grande.
Mas que a cachaça e o despojamento do lugar não nos engane. O Ponta da Barca serve uma comida de altíssima qualidade. Altíssima mesmo. Que o digam minhas papilas quando provei pela primeira vez, quatro anos atrás, o polvo à lagareira servido com batatas ao murro e uma alquimia maravilhosa de ingredientes – alguns óbvios outros um tanto secretos – preparados pela dona Marlúcia, esposa do Fernando. Apaixonei-me tanto pela receita que inadvertidamente tornei-me, veja você, sobrenome do prato, que é disparado o mais popular da casa. O polvo à lagareiro do Ponta da Barca agora se chama “polvo à Juarez Becoza”, uma honrosa (porém um tantinho exagerada…) homenagem feita a mim pelo Fernando pouco antes de sua inesperada partida, em outubro de 2022.
Hoje, dona Marlúcia e Caio, o filho mais novo do casal, tocam o negócio sozinhos, mas com a mesma competência, afinco e acolhimento que herdaram do fundador. E para que se faça justiça: vale lembrar que o cardápio ali sempre foi fruto do talento da Marlúcia mesmo. Uma cozinheira de tirar o chapéu, ilhéu legítima, última nativa da Praia Vermelha que segue até hoje residindo em suas areias. É dela, pois, a lista das maravilhas do mar por lá servidas, que além do “meu” polvo (!) tem outros mimos gastronômicos surpreendentes, como o caldo de batata baroa com camarão, a lula fartamente recheada, as ostras e mexilhões sempre fresquíssimos e o segundo prato mais pedido da casa: a “Moqueca dos Deuses”, feita com peixes da estação e temperada à perfeição.
O Ponta da Barca, caro leitor, é um lugar para poucos. Distante, escondido e com preços que refletem a complexidade de se manter um negócio de bom nível num lugar onde só se chega com pelo menos meia hora de navegação (se for nos barcos mais velozes), e a luz cai de duas a três vezes por semana. Mas se você tem gosto por frutos do mar, cerveja gelada, cachaça de primeira e uma dosezinha de aventura, este lugar também é para você.
Pensando bem, acho que o Ponta da Barca não é tão para poucos assim não…
Merecida matéria, conheço o restaurante e os proprietários. A Chef Marlucia se dedica a finco no comando da cozinha. Parabéns ao restaurante e ao jornalista.