Amanhã, dia 1 de março, fazemos 459 anos. Dia de festa pra nós, cariocas de alma ou de nascimento. E pra uma cidade a quem, se eu pudesse dar um presente, daria o Bar da Gema.
Completando 15 anos de vida algumas semanas antes do aniversário da cidade que homenageia só por existir, o bar nascido no coração da beleza e do caos da carioquice mais arraigada inaugura uma nova fase de amadurecimentos: gastronômicos, culturais e, porque não dizer, geográficos.
Entre todos os botequins cariocas que usam o espírito da cidade como representação da sua própria identidade, o Da Gema dos sócios Luiza Souza e Leandro Amaral talvez seja o mais legítimo. Inspirado no saudoso Original do Brás, que fez história lá em Brás de Pina, o Da Gema abriu na Tijuca quase que por teimosia, num lugar que tinha tudo para dar errado. Uma antiga oficina de automóveis, ao lado de um nada estimulante batalhão de polícia, numa rua de tristes lembranças e trânsito intenso, pouquíssimo convidativa para o flanar urbano. E que, ainda por cima, alagava a cada chuva.
No dia a dia do bar, as calçadas estreitas mal separavam os pés, as nádegas e as barrigas salientes dos clientes entorpecidos de sabor e cerveja da fúria dos ônibus, a subir apressados, barulhentos e imprudentes, o asfalto esburacado da Rua Barão de Mesquita, rumo ao Grajaú.
Mas, apesar do cenário, o Bar da Gema perseverou. E muito. Virou referência e sinônimo do que há de melhor na gastronomia popular do Rio. Possivelmente o bar mais premiado da cidade na última década, acumula dezenas de prêmios de melhor cozinha de bar, melhor petisco de boteco, chope de excelência, cerveja mais gelada, melhor isso e melhor aquilo, em diferentes concursos e votações promovidos pela imprensa por aí.
Seja por conta da polentinha frita com rabada, das coxinhas afetivas das galinha de quarta-feira, tidas como as melhores do mundo, dos pastéis de feijão gordo favoritos da Luiza, da lasanha de jiló ou do novo “coração amargurado” (mix de coração de galinha com chips de jiló que promete ser a nova coqueluche da casa e é o favorito do Leandro), o Da Gema está sempre nas cabeças e nos estômbalos de quem fala e escreve sobre bar carioca.
Mas agora tudo mudou. Há cerca de um ano, o Da gema deixou pra trás as calçadas estreitas e inundantes da Barão de Mesquita e aterrisou na esquina larga, farta, fresca e aconchegante que conecta as boêmias Rua dos Artistas, Dona Zulmira e Almirante João Cândido Brasil, no Maracanã. “Meu sonho era ter uma calçada. Realizei com sobras”, celebra Luiza, a cozinheira, empresária e musa das panelas que divide há 15 anos com o sócio Leandro Amaral a tarefa de administrar o bar e a culpa pelo cardápio salpicado de tentações premiadas criadas pela dupla.
Os dois trabalham juntos ali desde a inauguração, nos tempos em que ambos eram recém-formados em gastronomia e abriram mão de oportunidades de empregos em cozinhas requintadas para abrirem o próprio bar – mesmo sem nenhuma experiência no ramo. Hoje, 15 anos depois, dá orgulho ver os dois finalmente colhendo os frutos de tanto, tanto trabalho. Não que a labuta tenha diminuído. “Apenas saímos da ralação da cozinha. Ela ainda é a nossa paixão, claro, mas precisávamos sair. Fora do calor e do estresse da cozinha, a gente pensa melhor o negócio como um todo, aprende a crescer. Mas continuo morando mais no bar do que na minha casa, como sempre”, diz Leandro.
A ralação da dupla agora é no escritório, gerenciando uma casa que cresceu para muito além de um mero botequim – mas que continua, sim, sendo um botequim raiz. Um típico paradoxo carioca, que tem no cardápio muito mais do que só talento com panelas, frigideiras e caçarolas. O novo Bar da Gema agora é um endereço da cultura da cidade, com programação semanal de samba – atualmente a cargo de Nego Álvaro (@negoalvaro), ex-Samba do Trabalhador, todas as quartas-feiras – e um público que fica, a cada dia, mais diversificado e exigente. Agora, sentar no chão e recostar no balcão, só se for posando pra fotografia mesmo.
Mas, pelo menos, no escritório tem ar-condicionado…