Olha o mate!”
Esse é, provavelmente, o som que muito carioca mais gosta de ouvir na praia. A bebida — presente em todas as estações do ano — deixou de ser um mero refresco saboroso e se tornou um símbolo de identidade cultural. Não à toa, os ambulantes de mate foram os únicos que não foram barrados pelas novas regras da orla — e são reconhecidos como Patrimônio Cultural do Rio desde 2012.
Apesar de ser feita da erva-mate, típica do Sul do Brasil, foi no calor da cidade maravilhosa que a bebida ganhou novos contornos — e uma nova identidade. A versão gelada, com limão espremido na hora, virou sinônimo de verão e das praias do Rio.
Para legalizar a venda nas areias, a Prefeitura do Rio promove, desde 2022, um curso de capacitação para os vendedores de mate, valorizando a profissão dos mateiros — tão amada por moradores e turistas. A iniciativa é feita em parceria com o Instituto Municipal de Vigilância Sanitária (Ivisa). No segundo semestre de 2025, uma nova turma será treinada, garantindo a preparação para a próxima temporada de verão.
De acordo com a prefeitura, o objetivo do programa é preparar os profissionais para atuar com responsabilidade e qualidade. Para o vereador Flávio Valle (PSD), que implantou a ação quando era subprefeito da Zona Sul, o projeto é importante para a capacitação, valorização da tradição e segurança dos consumidores.
“Os mateiros são um patrimônio imaterial do Rio de Janeiro, um verdadeiro ativo cultural da nossa cidade. Cuidar dos mateiros é cuidar do turismo e dos próprios cariocas”, afirmou o vereador.
Histórias por trás do galão
Os cursos oferecidos pela prefeitura não oferecem apenas capacitação, mas também ampliam as oportunidades para os mateiros atuarem em eventos fechados, principalmente na baixa temporada. O vendedor Júnior, mais conhecido como “Tubarão”, é legalizado e integra a Comissão de Mateiros do Rio.
Hoje com 39 anos, começou a trabalhar na praia aos 16. Cresceu em uma casa com os pais e dois irmãos e, ainda jovem, percebeu que precisaria começar a trabalhar para ter uma vida melhor. Hoje, é casado, tem três filhos — e é vendendo mate que sustenta a família.
“Apesar de eu me manter na praia, eu não quero isso para eles. Sei que eles podem ser mais que isso. Hoje, eu trabalho para dar a eles a oportunidade de escolher o que querem. Esse é meu objetivo”, contou.
Apesar das dificuldades, ele diz que não trocaria a profissão.
“Minha história pode até ser bonita, mas vender mate é muito sacrificante. Só que, quer saber? Não troco o meu escritório por nenhuma sala com ar-condicionado.”
O mate também transformou a vida de outros trabalhadores. Josiel Matilho perdeu o emprego e precisou “se virar nos 30” para pagar o aluguel. A saída, sete anos atrás, foi trabalhar com mate. Hoje, ele percorre as praias de Copacabana e do Leme com o galão nos ombros.
“Deus tocou no meu coração e vir trabalhar na praia foi a última opção. Mas hoje, eu adoro. É prazeroso”, contou Josiel.
Vício carioca
Mesmo com o inverno chegando, o mate não sai das mãos do carioca. Seja o artesanal da praia ou o industrializado do mercado, a bebida é parte do imaginário afetivo do Rio. Antônio Falcão, estudante de Administração Pública, diz que o mate já virou tradição nas refeições de família.
“Não vivo sem. Se eu vou sentar à mesa, tem que ter minha garrafinha. Na praia, então, nem se fala.”
Carioca da gema, a engenheira Ana Fernandes se mudou recentemente para São Paulo e confessa que sente falta — não só da praia, mas também do mate e das garrafinhas que são vendidas em qualquer lugar.
“É horrível. Até tem alguns mercados que vendem, mas não tem nas praias. Aliás, nem tem praia, né? E também nunca tem nos restaurantes”, brincou, provocando o estado vizinho.
Eles não são os únicos. A legião de apaixonados pelo mate só cresce. Segundo levantamento da Prefeitura de 2022, só nas praias o mate movimenta cerca de R$ 4 bilhões por ano. Se o carioca é conhecido por transformar o cotidiano em arte, o mate é o retrato líquido dessa leveza.