Muita gente desavisada jura que ela é portuguesa. Sabem de nada, os inocentes. Tudo bem que a personalidade, o tipo físico, às vezes até o sotaque e, principalmente, a mão precisa na preparação de frutos do mar induzem ao erro. Os 12 anos passados em Portugal também reforçam. Mas o fato é que as demais 52 primaveras da dona Rosiana Coelho aí da foto foram vividas na Ilha do Governador mesmo, onde ela nasceu, cresceu e hoje vive ganhando o próprio pão com a sua ótima comida d’além mar e transmontana oferecida a seus clientes fiéis: insulanos de fé e forasteiros desbravadores que com os costados dão em seu quiosque da Praia do Zumbi.
Rosiana, muito mais conhecida como Rosi, já foi dona de bar badalado. O Pontapé fez história na Ilha, no começo deste século. No fim do passado, seu Porto de Galinhas fez sucesso em Lisboa, e virou ponto de encontro dos atletas brasileiros que jogavam no Benfica. Foi muito antes disso, contudo, que a insulana raiz, filha de portugueses arraigados, criou amor pelo mar e pela cozinha. Características que hoje moldam o seu espartano porém gastronomicamente riquíssimo Lá na Rosi, localizado bem perto de onde ela nasceu, há 64 anos completos quatro dias atrás, em 28 de julho de 2024.
A Ilha ainda era um balneário paradisíaco quando Rosi aprendeu a nadar, pescar, mergulhar e cozinhar para a família e os amigos os frutos do mar colhidos na canoa do pai, diretamente das águas outrora limpas da Baía da Guanabara. Nem bar nem restaurante, porém, estavam nos seus planos de vida. Ainda adolescente, ela aprendeu datilografia para logo virar secretária executiva – e se livrar das amarras da família conservadora.
Foi trabalhar, ganhar dinheiro e experimentar a vida. Um dia o destino a levou para o sul da Bahia. Era para ficar algumas semanas, ficou dois anos. No desbundado Arraial d’Ajuda do comecinho dos anos 90, Rosi aprendeu os prazeres e os sacrifícios de trabalhar no paraíso, fazendo comida em bares e quiosques das praias concorridas da região. E apaixonou-se pelo ofício. Largou os escritórios e se estabeleceu nas cozinhas. Em 92 foi morar em Portugal, onde abriu seu primeiro restaurante próprio e aprendeu ainda mais sobre gastronomia.
Quando voltou ao Rio, em 2004, inaugurou o Pontapé, pequeno botequim musical e gastronômico que marcou época. Tanto que cresceu, mudou de endereço e virou um bar imenso, o Pontape Beach, que alavancou a fama da Praia da Ribeira como polo gastronômico. Mas a coisa cresceu tanto que de repente Rosi se viu mais empresária do que cozinheira… Acabou largando tudo para tentar outras coisas. Virou quiosqueira.
Em 2018, abriu o primeiro Lá na Rosi. Na entrada da colônia de pescadores Z10, na Ribeira, servia frutos-do-mar num modestíssimo mas caprichado trailer. Foi ali, seis anos atrás, que eu comi pela primeira vez um hot-dog de polvo – hoje figurinha fácil nas esquinas badaladas da gastronomia popular da Zona Sul. Mas veio a pandemia para atrapalhar tudo, e o negócio acabou fechando. Rosi então patinou entre outras empreitadas: uma nova temporada em Portugal e um périplo indigesto pelos balcões da burocracia carioca para conseguir, já em 2024, autorização para abrir um novo quiosque. Mais estruturado, na histórica Praia do Zumbi, a mesma de onde um dia ela saia para pescar de canoa.
O novo Lá na Rosi foi inaugurado há 10 meses, num trabalho feito a muitas mãos. Os anos de relacionamento com moradores que viraram clientes fiéis e depois amigos gerou uma onda de solidariedade. Doações de mil aqui, três mil ali, de gente que sentia saudade da sua comida, viabilizaram os investimentos necessários para abrir o negócio.
Bucólico e simplíssimo mas estruturado, com vinte e poucas mesas protegidas do sol por um imenso toldo, postadas em torno da pequena cozinha. Com um fogão industrial de duas bocas, um forno e dois freezers, Rosi e sua equipe de mulheres dedicadas e talentosas superam a precariedade para preparar petiscos e pratos saborosos e inusitados de quinta a domingo. Como o pão de alho espetado com polvo, camarão ou bacalhau, o filé de sardinha empanado com azeitonas, o jiló recheado com carne e queijo à perfeição e a especialíssima kafta de carne seca com cebola na manteiga – releitura de um antigo clássico dos tempos do Pontapé. Isso tudo sem falar nos pratos sazonais, como o caranguejo fresco pra comer com a mão e se lambuzar, e o arroz de cavaquinha, lagostim e camarão, delícia que dá para dois por um preço indecente de barato para quem está acostumado com os abusos da Zona Sul.
Preço esse que o caro leitor vai ter que ir lá para descobrir pessoalmente, ok? Quer mole, senta no pudim, ora!… Só não senta no da Rosi. Ele concorre com a tortinha de abacaxi com coco pela preferência da clientela que anda lotando o lugar nos almoços de final de semana.
Tudo isso de frente pro mar, num cenário de subúrbio à beira d’água cercado de velhos barcos de pesca que valem por si só a visita. Não esqueça de levar a câmera, e aproveite e carregue consigo também uma grande pá de fome, vários copos de sede e léguas de curiosidade, para ouvir as histórias que a Rosi há de te contar. Sobre a vida, o passado, a comida do presente, e os os planos para o futuro.