Ofuscadas pelas belezas naturais, elas estão espalhadas pelas ruas do Rio. Mas, para muitos cariocas, são invisíveis em meio ao frenético vai e vem do dia a dia. O Rio, para além de cidade maravilhosa, também é uma galeria de arte a céu aberto. Segundo a Secretaria municipal de Conservação, a cidade conta com 1350 esculturas, entre monumentos e chafarizes.
No coração do Centro, em frente ao Real Gabinete Português de Leitura, um retângulo amarelo ocupa a paisagem. Entre os milhares de turistas que acessam a biblioteca histórica, a escultura de Franz Weissmann passa quase despercebida. Quando notada, destoa do seu entorno.
A escultura “Retângulo Vazado” chama atenção pelo que tem e pelo que não tem. Instalada nos anos 1990, junto com um conjunto de obras de arte contemporâneas instaladas no Centro naquela época, ela brinca com o vazio, com a luz e com a paisagem ao redor. É como se o Rio também fizesse parte da obra, atravessando a arte com sua própria beleza.
Segundo André Carvalho, professor associado do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as cidades, para arquitetos e urbanistas, desde a história antiga à clássica, estabelecem uma vinculação de esculturas urbanas a céu aberto com a própria constituição daqueles territórios.
“A gente tem historicamente essa relação das esculturas que se dão nesses espaços urbanos como marcas que disseminam as relações das cidades. Historicamente, essas esculturas a céu aberto já fazem parte da cidade, principalmente nesses centros históricos que as constituem”, diz.
Acolhimento e agressão

O Centro do Rio é ocupado por esculturas que, de acordo com o professor, marcam essa construção de memória “heróica e épica”. O que explicaria os muitos bustos de bronze com soldados a cavalo, como a escultura de Marechal Deodoro.
“Recuando um pouco mais, a gente pode pensar também na referência interessante e distintiva desse processo que são as esculturas do Mestre Valentim, um escultor negro que inclusive cria o primeiro projeto de passeio público no centro do Rio”, relembra o professor.
Históricas ou contemporâneas, elas atravessam a cidade e nem sempre seguem fazendo sentido com o urbano que as cercam. Condição da própria construção da memória, as esculturas podem acolher ou mesmo provocar o olhar. Muitas vezes elas agridem também, quando, através de seus marcadores de memória, acabam elegendo determinadas histórias para se contar.
Obras que incomodam
A arte não precisa, necessariamente, exercer um diálogo com o entorno. No entanto, às vezes, a falha de comunicação acaba indo longe demais. A obra “Escultura para o Rio”, de Waltercio Caldas, na Avenida Presidente Antônio Carlos, por exemplo, mais uma das instaladas nos anos 1990, foi demolida em 2015, para dar passagem aos trilhos do VLT.
Segundo O Globo, a derrubada foi um acordo entre o artista plástico, a Prefeitura do Rio e a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp), responsável pela construção do transporte. No início da Avenida Primeiro de Março, feitas a partir das pedras portuguesas, a obra de Caldas foi realizada dentro do projeto Esculturas Urbanas, promovido pela Secretaria municipal de Cultura em 1997. Um comitê liderado pelo crítico e ex-curador do MAM Reynaldo Roels Jr., morto em 2009, convidou cinco artistas reconhecidos internacionalmente para criarem obras para o Centro do Rio.
Também instalada na década de 1990, estão as obras do artista Franz Weissmann — como o seu “Retângulo Vazado”. Nome importante do movimento neoconcretista, ele repensou a lógica das culturas, a relação dos trabalhos com o espaço, com a interação, com a participação do espectador também, com a própria relação da geometria.
Outra escultura amada por muitos — e considerada esquisita por outra parcela considerável — é “A Baleia”, de Ângelo Venosa. Ela é parte da mesma política pública de reforma urbana dos anos 1990, que trouxe vários escultores para o centro do Rio. Inicialmente, “A Baleia” foi instalada na Praça Mauá e, depois, a pedido da Marinha, foi retirada e instalada no Leme, onde está até hoje.

O que diz a Secretaria de Conservação
Procurada pelo TEMPO REAL, a Secretaria Municipal de Conservação disse que, somente no passado, a prefeitura investiu aproximadamente R$ 4 milhões na manutenção das 1350 esculturas espalhadas pela cidade.
“Entre as obras, 349 são homenagens a personalidades no Rio. Dessas, 210 são bustos, 97 estátuas, 14 esculturas e 28 efígies. O mais antigo monumento é o de Dom Pedro I na Praça Tiradentes e o mais recente foi a homenagem ao cineasta Breno Silveira, no Arpoador”, diz trecho da nota.
Segundo a pasta, está em andamento a criação de um novo banco de dados atualizado sobre o tema.