Sob ameaças de remoção desde meados dos anos 1980, a tradicional Comunidade do Horto, localizada no Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio, está próxima de obter o reconhecimento de seu território. A decisão foi fruto de um estudo feito por um grupo de trabalho coordenado pessoalmente pelo ministro Márcio Macedo, secretário geral da Presidência da República, que assinou um relatório defendendo a permanência das 621 famílias.
O estudo atendeu ao pedido do Ministério Público Federal (MPF) e teve a participação da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas. O grupo foi composto por habitantes da comunidade, representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Ministério da Cultura e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico.
“Esse relatório reconhece os vínculos históricos dessa comunidade e afasta o risco de remoção. O documento estabelece que [para] 85% da comunidade não há nenhum empecilho para ficar e 15% precisam ter mais estudos porque possivelmente estão em áreas de risco”, disse o procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, Júlio José de Araújo Júnior.
“Trata-se de uma decisão histórica fruto de entendimento e diálogo, que são a base da democracia. É preciso dar os parabéns a todos os envolvidos pelo trabalho, e pela sensibilidade e respeito às famílias que podem viver sem a angústia e o medo de serem despejadas a qualquer momento”, disse a deputada Marina do MST, que tem sido uma das pessoas que ajudaram as famílias junto ao Ministério Público e o governo federal.
Presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Horto (Amahor), Fábio Dutra disse que o próximo passo é a regularização fundiária da comunidade. Ele conta ainda que eles, em parceria com o Governo, também trabalham em projetos de ecobarreiras para evitar a expansão.
“No nosso entendimento, está mais próximo de um desfecho favorável tanto para a comunidade quanto para o próprio Jardim Botânico. Há uma instabilidade porque não há nenhum tipo de titulação. A gente não quer a expansão da comunidade. Queremos continuar do mesmo jeito que está”, disse.
Histórico
A comunidade nasceu ainda durante o Brasil Colônia, em 1808, formada por descendentes de ex-escravos e trabalhadores que atuaram na construção do Jardim Botânico. Ela cresceu ao longo do século 20 por funcionários de fábricas antigas da região e, depois, por trabalhadores do próprio Instituto de Pesquisa Jardim Botânico. Muitas das pessoas que vivem hoje no local são descendentes desses dois grupos.
A partir da década de 1980, a União entrou com 215 ações de reintegração de posse e conseguiu decisão favorável em quase todas. Mas, no contexto da aprovação da nova Constituição de 1988, e os novos entendimentos sobre moradia social e regularização fundiária, apenas três decisões foram executadas.
Em 2006, a Secretaria de Patrimônio da União no Rio de Janeiro (SPU-RJ) apresentou um termo de referência para regularizar áreas da União no estado do Rio de Janeiro. O Jardim Botânico/Horto estava entre elas. Por meio de um convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi apresentado o Projeto de Regularização Cadastral Fundiária e Urbanística para o Assentamento do Horto em 2011.
Contrária à permanência dos habitantes do Horto, a Associação de Moradores e Amigos do Jardim Botânico (AMAJB) apresentou uma denúncia ao Tribunal de Contas da União (TCU). Foi aberto processo administrativo sob justificativa de mau uso do bem público. A decisão veio em 2012: o TCU determinou que o governo federal criasse uma comissão interministerial para definir qual era a área de interesse do Jardim Botânico. Todas as famílias que estivessem dentro dessa área e já tivessem perdido ações na Justiça anteriormente deveriam ser retiradas do local.
Em 2013, o parecer da comissão interministerial foi que o Jardim Botânico tinha interesse em avançar sobre 80% da comunidade. O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, que recebeu a posse da área da União, vem tentando cumprir as reintegrações de posse desde então, sob supervisão do TCU.
As advertências de remoção voltaram a ganhar força durante a pandemia de Covid-19: em junho de 2021, 28 oficiais de justiça entregaram mandados a moradores do local.
Com informações da Agência Brasil