Com a iniciativa cultural “Todo Mundo no Rio”, que já atraiu estrelas como Lady Gaga e Madonna, o turismo amplia ainda mais seu espaço na economia carioca — só os dois shows movimentaram cerca de R$ 900 milhões na cidade. No entanto, especialistas da área veem com cautela uma economia que, para alguns, parece estar cada vez mais dependente de megaeventos.
O histórico show de Lady Gaga, realizado em 3 de maio na Praia de Copacabana, atraiu aproximadamente 2,1 milhões de pessoas, segundo a prefeitura. De acordo com o governo municipal, o gasto médio diário dos turistas foi de R$ 590,40 para estrangeiros e R$ 515,84 para brasileiros, resultando em uma movimentação econômica de cerca de R$ 600 milhões.
Já o show de Madonna, realizado em 4 de maio de 2024, também na Praia de Copacabana, atraiu cerca de 1,6 milhão de pessoas, incluindo aproximadamente 150 mil turistas nacionais e internacionais. Segundo a Prefeitura do Rio, o evento gerou um retorno econômico superior a R$ 300 milhões para o município.
‘Efeitos colaterais’
Para o doutor em economia e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jonas Henrique, o Rio tem uma “aptidão histórica” como destino turístico e, por isso, consolidar novas formas de captação turística é uma excelente maneira de promover o desenvolvimento sustentável do setor, gerando emprego e distribuindo renda. No entanto, ele alerta para alguns riscos que podem estar envolvidos com o foco crescente no turismo na cidade.
“Em termos de efeitos colaterais do avanço do turismo, eu entendo que há um aumento na informalidade e nas ocupações de baixa qualificação e remuneração, mas isso ocorre pela falta de regulamentação do setor e pela dificuldade de tirar as pessoas da informalidade – seja por opção ou por falta de alternativas de trabalho”, destaca o especialista.
Diversificação da atividade econômica
O professor também salienta a importância de o poder público ampliar e diversificar a cadeia produtiva do município, especialmente para evitar cenários em que atividades culturais, como os megaeventos, não possam ser realizadas. Algo que ocorreu, por exemplo, durante a pandemia de Covid-19, que paralisou o mundo entre 2020 e 2021.
“Ou seja, não podemos depender exclusivamente de um único setor produtivo para a dinâmica da economia local. Com a atuação de diversos setores, mesmo em um cenário pandêmico, é possível minimizar os efeitos – que, com mais ou menos intensidade, afetariam outras atividades. Assim, mantém-se a arrecadação pública e garante-se o cumprimento da função do Estado, que é assegurar a segurança da população, promover programas de distribuição de renda e oferecer auxílio a profissionais que, eventualmente, não conseguirem exercer suas atividades nas áreas de turismo, entretenimento e cultura”, acrescenta.
Principal eixo econômico do Rio
Gilberto Braga, economista e professor do Ibmec, por sua vez, destaca outros aspectos ao tratar do assunto. Ele afirma que, devido à vocação do Rio para o entretenimento e o turismo, há anos o principal eixo econômico da cidade é voltado para essas áreas. Isso, segundo ele, contribui para a concentração de produções culturais na cidade, como os shows de Lady Gaga e Madonna.
“Há anos, o principal eixo econômico da cidade está voltado para suas belezas naturais e atrações turísticas, embora também existam indústrias e outras atividades. Portanto, é natural que toda a agenda econômica do Rio esteja, de alguma forma, atrelada à sua agenda cultural, especialmente devido à sua infraestrutura cultural, que inclui teatros e outras formas de entretenimento. Isso contribui para uma grande concentração de produções na cidade, com uma ampla oferta de espetáculos tanto para o público mais elitizado quanto para o público popular, distribuídos por toda a cidade”, explica Braga.
Outro ponto de vista
Já para Caio Ferrari, professor do Departamento de Análise Econômica da Uerj, é “inadequado” afirmar que a atividade econômica carioca se concentra principalmente em megaeventos, como os do “Todo Mundo no Rio”. Ele destaca que os shows tiveram grande sucesso e movimentaram diversos setores ligados ao turismo e a serviços, com retorno considerável de arrecadação para o município, o governo do estado e o setor privado.
“A participação do turismo no PIB do Rio gira em torno de 5%, ou seja, é uma participação relativamente pequena dentro do setor de serviços como um todo. Nesse sentido, o que o município e o governo estadual devem fazer, num cenário em que esses setores não podem operar, é apoiar, através de transferências de renda, políticas de manutenção do emprego e políticas de crédito para evitar a desorganização do setor, perda de empregos e falências. Ou seja, um plano de contingência”, explica Ferrari.
O professor Gilberto Braga também aponta que a Prefeitura do Rio tem se esforçado para criar novos espaços de entretenimento, especialmente em praças e locais públicos da cidade, como o Parque Madureira. Ele enfatiza que, como o mês de maio foi anunciado como um período dedicado a grandes eventos internacionais, ele se soma a um calendário já estabelecido de eventos, como o carnaval, tornando a organização mais visível diante de imprevistos.
O que diz o setor de turismo
Para o setor, a questão não pode ser analisada somente pelo aspecto econômico. Sávio Neves, ex-secretário de Turismo do Estado do Rio e presidente do Trem do Corcovado, acredita que não se trata de concentrar a atividade econômica em grandes eventos. De acordo com ele, a vocação do turismo no Rio é diferente daquela para megaeventos.
“Fazer um investimento em um show, no qual a prefeitura gasta dinheiro público (R$ 15 milhões) e recebe de retorno em impostos mais de R$ 600 milhões, que serão revertidos para as prioridades da cidade, como saúde, educação, moradia e transporte, é uma conta de ganha-ganha. A questão aqui é matemática, lógica e objetiva. Você investe 15 e recebe 600, fica fácil de entender dessa maneira”, explica o empresário.
Neves afirma que, tratando-se de investimento em cultura, o Rio ainda investe muito pouco na promoção da cidade como destino turístico, comparado ao que poderia. Para ele, esses megaeventos servem para divulgar positivamente a imagem da cidade no cenário mundial, já que, na sua visão, normalmente são as notícias ruins sobre o Rio que ganham destaque.
“O turismo vai trazer melhoria para o cidadão, não só através de impostos, mas também por meio de infraestrutura melhor, porque o que é bom para o visitante é bom para o morador e vice-versa. O mundo inteiro está disputando turistas. Isso significa que o Rio já está investindo muito no turismo? Ao contrário, precisamos investir muito mais. Hoje, o turismo representa 6% do PIB da cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, há 94% de crescimento possível”, finaliza Sávio Neves.