Se você abrir o TikTok e buscar por “TDAH”, vai se deparar com uma avalanche de vídeos tentando explicar o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, cujo Dia Mundial de Conscientização é celebrado neste domingo (13). Embora faça parte da vida de milhões de brasileiros, a condição ainda é cercada por estigmas e tropeça numa pergunta que ganha força nas redes: afinal, agora todo mundo tem TDAH?
Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 18,9% da população já apresentou sintomas compatíveis com o transtorno, marcado por desatenção, hiperatividade e impulsividade. A prevalência é maior entre crianças e adolescentes de 6 a 17 anos (7,6%), mas também aparece entre adultos de 18 a 44 anos (5,2%) e em pessoas com mais de 44 anos (6,1%).
Diagnóstico aos 35 anos
O jornalista Thiago Lontra, de 37 anos, faz parte desse grupo. Seu diagnóstico, no entanto, não veio na juventude, como costuma acontecer na maioria dos casos, e sim aos 35 anos. Mas ele conta que sempre sentiu que havia “algo diferente”.
“Desde novo, tive muita dificuldade para me concentrar, estudar e manter o foco em qualquer atividade por muito tempo. Apesar disso, fui empurrando essas dificuldades com a barriga, achando que era normal. Foi minha esposa quem percebeu que isso poderia ser algo mais sério e me incentivou a procurar ajuda profissional. Com o apoio dela, busquei acompanhamento e, aos 35 anos, recebi o diagnóstico de TDAH”, relata o jornalista.
Banalização do TDAH
Hoje, ele diz estar em processo de “autoconhecimento, aprendendo a lidar com o transtorno e buscando estratégias para ter mais qualidade de vida”. Um dos principais obstáculos nesse caminho, segundo Lontra, é a banalização do TDAH.
“Muita gente encara o transtorno como ‘bobeira’ ou ‘modinha’, sem entender o impacto real que ele tem na vida de quem convive com isso. Isso dificulta o acolhimento e a compreensão, porque as pessoas minimizam os desafios que enfrentamos diariamente. Ao mesmo tempo que a informação cresceu, cresceu também o julgamento e os rótulos vazios”, afirma.
Diagnóstico mais cedo do TDAH
Pedro Henrique Câmara, estudante de História de 22 anos, recebeu o diagnóstico mais cedo, durante a transição da infância para a adolescência. Aos 11 anos, os pais começaram a notar que ele era mais desatento e impulsivo que outras crianças da mesma idade.
“Eu era muito agitado, esquecia tudo, não conseguia acompanhar o ritmo da sala. Os professores sempre diziam que eu tinha potencial, mas que parecia estar sempre no mundo da lua. Foi quando meus pais começaram a se preocupar de verdade e decidiram buscar ajuda, e aí veio o diagnóstico. Com o tempo, fui compreendendo melhor, reconhecendo meus limites e encontrando estratégias para lidar com eles”, conta o estudante.
Banalização afasta quem deveria procurar ajuda
A vida com o transtorno, segundo ele, segue com acompanhamento psicológico e uso de medicamentos para lidar melhor com as demandas do dia a dia. Contudo, Pedro lamenta que, por conta da banalização e da enxurrada de vídeos sobre o tema na internet, muitas pessoas que poderiam se beneficiar de um diagnóstico acabam nunca procurando ajuda de verdade.
“Tem muita gente que assiste a meia dúzia de vídeos e sai dizendo que tem TDAH, como se fosse moda ou rótulo de internet. Enquanto isso, quem realmente vive com o transtorno acaba sendo desacreditado, tratado como exagerado ou preguiçoso. Essa banalização atrapalha demais, porque gera desinformação e afasta justamente quem mais precisa de acolhimento e tratamento sério”, afirma.
O que é, de fato, o TDAH?
Segundo Renata Alves Paes, professora do Instituto de Psicologia da Uerj, o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento — e não uma simples questão de “ser desligado” ou “não prestar atenção”. Trata-se de um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere significativamente na vida acadêmica, profissional e social da pessoa.
“O diagnóstico não se faz em uma consulta rápida ou com checklist de internet. É preciso uma avaliação clínica completa, com entrevista detalhada, histórico de desenvolvimento, relato de quem convive com a pessoa e, quando necessário, aplicação de escalas validadas e testes neuropsicológicos para mapear facilidades e dificuldades, além de outros quadros associados”, compartilha a especialista.
Diferenças entre o TDAH e outros quadros semelhantes
Renata ressalta que os critérios diagnósticos, incluem sintomas presentes antes dos 12 anos, persistentes por pelo menos seis meses, que ocorram em mais de um contexto (como casa, escola ou trabalho) e que gerem prejuízos reais. Ela afirma que isso ajuda, inclusive, a diferenciar o TDAH de quadros como ansiedade ou cansaço.
“Todo mundo se distrai ou esquece algo de vez em quando. O transtorno se caracteriza pela intensidade, frequência e impacto funcional dos sintomas”, pontua.
Sobre o debate do TDAH nas redes sociais
Sobre o debate que circula nas redes sociais, a especialista alerta que há muita informação distorcida. Embora veja com bons olhos o aumento da visibilidade do tema, ela reforça a importância de tratar o diagnóstico com responsabilidade.
“O debate cresceu por várias razões: mais acesso à informação, redução do estigma, novos estudos sobre o TDAH ao longo da vida, diagnósticos tardios e em perfis diversos (não é só ‘menino bagunceiro’ na escola). Mas, junto com isso, veio o risco dos autodiagnósticos e da ideia de que qualquer traço de desatenção justifica o uso de medicação — o que não é verdade”, afirma.
Vídeos não substituem diagnóstico clínico
Ela também chama atenção para os limites dos conteúdos nas redes sociais. Segundo a especialista, por mais que esses materiais sirvam como um alerta inicial, eles não substituem uma avaliação clínica séria.
“As redes trabalham com recortes simplificados, generalizações e, muitas vezes, sem respaldo técnico. Autoavaliações superficiais podem levar ao autodiagnóstico e à automedicação — riscos concretos. Além disso, criam uma expectativa de soluções rápidas e fáceis para algo que é complexo”, adverte.
A professora finaliza reforçando que o manejo do TDAH precisa ser individualizado e deve envolver psicoeducação, psicoterapia cognitivo-comportamental, apoio escolar ou profissional e, quando indicado, tratamento medicamentoso com acompanhamento médico. E, segundo ela, “nenhum vídeo curto de TikTok substitui isso”.