O problema da violência armada tem ganhado novas dimensões na cidade do Rio, especialmente no que diz respeito à educação. Apenas nos últimos três meses, ao menos 90 escolas foram obrigadas a encerrar temporariamente suas atividades por conta de confrontos armados entre criminosos ou ações das forças de segurança do estado. A situação acendeu um alerta entre especialistas e preocupa as famílias que vêm sendo diretamente afetadas por esse cenário.
Um dos episódios mais recentes ocorreu no dia 10 de junho, no Complexo de Israel, na Zona Norte da cidade, quando uma operação policial resultou no fechamento de uma escola estadual e 21 escolas municipais da região. A decisão foi tomada devido aos intensos confrontos entre agentes e criminosos no complexo, área dominada por “Peixão”, chefe do Terceiro Comando Puro (TCP).
Outras operações policiais também impactaram o funcionamento das escolas: em 21 de maio, na Vila Kennedy (Zona Oeste), e em 13 de maio, no Complexo da Maré (Zona Norte), as secretarias municipal e estadual de Educação precisaram suspender as atividades em 60 escolas da rede pública — além de afetar o funcionamento da Universidade Federal do Rio (UFRJ).
Mais da metade dos estudantes são afetados pela violência
O problema é crônico. Cerca de 55% dos estudantes do ensino fundamental e médio da capital fluminense são afetados direta ou indiretamente pela violência armada, segundo o relatório Educação sob Cerco: as escolas do Grande Rio impactadas pela violência armada, publicado em 2022. Na Região Metropolitana, que engloba a capital e outros 19 municípios, o número de estudantes impactados é de 48%.
O estudo revelou que mais da metade das escolas da capital estão localizadas em áreas sob domínio de grupos criminosos — 28,4% em territórios controlados por milícias e 30% em áreas dominadas pelo tráfico. Somente naquele ano, houve cerca de 4.400 tiroteios nas imediações de escolas, em contextos com ou sem operações policiais. Só na Zona Norte, foram registrados 1.714 episódios.
O relatório foi produzido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Instituto Fogo Cruzado, Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF) e pelo Centro para o Estudo da Riqueza e da Estratificação Social (CERES-IESP).
O que dizem os especialistas
De acordo com Daniel Hirata, sociólogo e coordenador do Geni-UFF, o cenário é “bastante preocupante”, pois há duas dimensões da violência armada que impactam diretamente as escolas.
“A primeira é a violência armada crônica, que se refere ao controle territorial exercido por grupos criminosos. A segunda é a violência armada aguda, associada a episódios disruptivos, como os próprios confrontos entre o Estado e esses grupos armados”, explica Hirata.
‘Série de medidas’
Segundo ele, a resposta do poder público deve ser diferente para cada uma dessas dimensões.
“Na violência crônica, temos que pensar numa atuação do Estado para que esses territórios se vejam livres dos grupos armados. E aí há uma série de medidas que nós viemos insistindo há tempos, relacionadas à regulação dos mercados que constituem a base de sustentação econômica desses grupos, à descontinuidade da atuação de agentes públicos cúmplices e à maior presença do sistema de Justiça criminal para resolução e mediação de conflitos”, afirma o professor.
‘Rotina menos impactada por essas ações’
Quanto à violência armada aguda, principalmente nas operações policiais, Hirata aponta outras urgências que precisam ser consideradas.
“Precisa haver planejamento para que as operações policiais ocorram de forma segura, com o menor impacto possível nesses locais. E também uma atuação para que, no enfrentamento aos grupos armados, a gente tenha realmente não uma intensificação dos confrontos, mas sim um apaziguamento, no sentido de garantir que, sobretudo, as populações residentes nessas áreas possam ter uma rotina menos impactada por essas ações”, destacou.
ADPF das Favelas
O professor também lembra a importância da ADPF das Favelas, que, segundo ele, trazia diretrizes mais coerentes para a atuação do Estado em áreas dominadas pelo crime.
Entre as medidas estavam a proteção do perímetro escolar, o aviso prévio às autoridades de educação sobre operações e a proibição do uso de escolas como base policial. No entanto, Hirata lamenta o recuo em relação a essas determinações nos últimos anos.
Outra visão sobre o cenário
Já o antropólogo Paulo Storani, capitão da reserva do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), tem uma visão distinta sobre o problema. Para ele, o cenário atual é resultado da expansão dos territórios sob domínio de facções que enfrentam diretamente as forças de segurança do Estado.
“O Estado, com suas polícias, está tentando conter o avanço das organizações criminosas e os rivais disputando o controle. Entre esses atores, está a população e, consequentemente, os alunos das escolas instaladas nas comunidades. Eles são os maiores prejudicados e sofrerão as consequências, que impactam suas vidas e seu futuro”, afirma Storani.
‘Medidas paliativas devem ser tomadas pelo Estado’
Para o especialista, “não existe solução de curto ou médio prazo”. Ele vê a ADPF das Favelas como um obstáculo ao enfrentamento do crime organizado no Rio.
“Se impedirem as operações policiais, como ocorreu em alguns casos anos atrás, inclusive durante o período de vigência da ADPF das Favelas, as organizações se fortalecem, se expandem e se enfrentam, tornando a solução ainda mais distante. As medidas paliativas devem ser tomadas pelo Estado, considerando as escolas e outras instalações de atendimento nas comunidades, ao planejar as operações. Contudo, não há o que esperar das organizações criminosas”, finaliza.