Uma tarefa simples: pegar um ônibus para ir trabalhar. Um medo: a vertiginosa escalada dos casos de violência dentro dos coletivos do Rio, que apavora cada vez mais tanto motoristas quanto passageiros.
Segundo dados mais recentes do Instituto de Segurança Pública (ISP), houve um aumento de 22% nos roubos em ônibus no estado nos primeiros dois meses de 2025, em comparação com o mesmo período de 2024 — uma mudança já percebida por usuários e, principalmente, quem trabalha no setor.
Entre os principais casos dos últimos meses estão roubos, uso de veículos como barricadas, disparos que atingem as janelas dos coletivos e até ônibus alvos de incêndios criminosos. Segundo um motorista de uma linha da cidade, que preferiu não se identificar, a classe têm ficado cada vez mais apreensiva com a onda de violência. Ele relata que, por trabalhar principalmente no período da noite, tem pensado mais na hora de parar nos pontos.
“Depois das 22h, é bem mais difícil parar nos pontos. Fico com medo de abrir a porta. Já vi muita coisa acontecendo e tenho muito medo. No fim das contas, quem sofre mais é o passageiro, porque, apesar do meu medo, sei que eles também estão com a mesma sensação de insegurança nas ruas”, disse.
Receio dos motoristas
Outro motorista, que também não quis ser identificado, compartilha o mesmo receio. Ele destaca como essas ondas de violência colocam em risco não só sua vida, mas também a dos passageiros.
“Eu faço o trajeto intermunicipal todo dia. Já fui assaltado uma vez e, desde então, tenho muito medo de isso acontecer de novo. O pior é que, quando isso acontece, não sou só eu que fico em risco, mas os passageiros também. E a cada dia a insegurança só aumenta”, afirma.
Oito ônibus sequestrados
No dia 11 de abril, por exemplo, oito ônibus foram sequestrados e usados como barricadas na Rua Clarimundo de Melo, entre os bairros Quintino e Piedade, na Zona Norte.
Segundo a Rio Ônibus, entidade que reúne as 36 empresas de ônibus da cidade, esse foi o segundo dia consecutivo de sequestros de veículos, com bloqueios na Rua Assis Carneiro, que só foram liberados após a ação da Polícia Militar.
A situação aumentou ainda mais a sensação de insegurança na região, e o policiamento precisou ser intensificado.
Passageiros se jogaram de ônibus
Outro caso alarmante ocorreu no dia 3 de abril, quando quatro passageiros se jogaram de um ônibus em movimento durante uma tentativa de assalto na linha 232 (Lins x Castelo), em São Cristóvão, Zona Norte. Dois criminosos, sendo um armado, anunciaram o assalto e agrediram um passageiro que se recusou a entregar seus pertences.
Durante a agressão, quatro pessoas conseguiram escapar pulando do veículo e caindo no Viaduto dos Fuzileiros. As vítimas foram socorridas com fraturas expostas e levadas ao Hospital Municipal Souza Aguiar, sendo que uma delas ficou em estado grave.
Mais de mil roubos em 2025
Segundo dados do ISP, em janeiro de 2024, foram registrados 456 casos de roubos no estado, enquanto em fevereiro esse número caiu para 371, totalizando 827 casos naquele período. No entanto, em 2025, os dados indicam uma escalada: em janeiro, o número de roubos saltou para 563, e em fevereiro, alcançou 446, resultando em um total de 1.009 roubos.
Além disso, os dados históricos também mostram um agravamento da situação. Em 2023, foram registrados 4.645 casos de assaltos em coletivos no município do Rio, dos quais 1.438 (31%) resultaram em letalidade violenta. Já em 2024, o número total de roubos subiu para 5.842, mas com uma redução na taxa de letalidade, que ficou em 23% (1.369).
Outro dado fornecido pela Rio Ônibus revela um aumento no uso de ônibus como barricadas por criminosos. Nos primeiros quatro meses de 2025, 57 coletivos foram tomados como barricadas, um número superior aos 44 casos registrados até o final de abril de 2024.
Dificuldade no planejamento
Os especialistas já alertam para esse cenário. De acordo com Robson Rodrigues, antropólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, é preciso existir uma política de segurança que analise a peculiaridade e os padrões de cada um desses crimes dentro dos coletivos. No entanto, para ele, o que acontece no Rio é “uma dificuldade no planejamento da segurança pública”.
“O governo do estado está mais focado nas operações policiais nas favelas, principalmente no combate ao roubo de carga. Isso pode indicar que há um interesse maior nas cargas roubadas que transitam nas mesmas vias utilizadas pelos coletivos. O transporte interestadual, por exemplo, é o mais atingido por esse tipo de criminalidade”, explica.
Percepção de segurança
Rodrigues, que é coronel da reserva da Polícia Militar, destaca que a violência nos ônibus afeta diretamente a percepção de segurança da população. Segundo ele, por se tratar de um transporte de massa, qualquer sinal de fragilidade — tanto nas ações das forças de segurança quanto na sensação dos passageiros — gera desconfiança e diminui a confiança no transporte público e nas autoridades.
“Está faltando um pouco mais de atenção a esse tipo de criminalidade. Se os indicadores estão mostrando essa fragilidade e apontando oportunidades para os criminosos, é claro que já deveria haver uma resposta das autoridades para reduzir esse tipo de crime. Afinal, o aumento da sensação de insegurança e desconfiança da população em relação às autoridades acontece de forma rápida e precisa ser combatido”, compartilha Rodrigues.
‘Mentalidade das autoridades’
Como proposta para reverter este cenário, ele enfatiza que “é necessário mudar a mentalidade das autoridades de segurança pública”. Conforme explica Rodrigues:
“Não se resolve o problema apenas investindo em ações repressivas nas favelas, com a premissa equivocada de que o crime sempre parte dali. Quando você foca nessa premissa sem evidências que a comprovem, acaba deixando de lado áreas que oferecem maiores oportunidades para ações criminosas – e, na minha visão, é isso que está acontecendo agora”, afirma.
Plano metropolitano
O antropólogo destaca que deveria ser criado um plano metropolitano que unisse esforços intermunicipais, especialmente nas cidades e transportes mais afetados, para buscar melhores soluções. A seu ver, pela segurança pública no estado — especialmente na capital — ser tratada por competência geográfica, esse cenário se intensifica. Segundo ele, os batalhões e as delegacias têm responsabilidades limitadas às suas áreas, e isso resulta em uma fragmentação da responsabilidade.
“É fundamental que se combinem ações de prevenção, responsabilidade da Polícia Militar, com a ação de investigação, responsabilidade da Polícia Civil. Como as vias expressas que são alvos desse tipo de criminalidade passam por várias unidades da Polícia Civil e batalhões, é essencial coordenar essas forças. Está faltando essa maestria”, afirma.
Projeto aprovado na Alerj
No último dia 9, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) tomou uma decisão em direção a esse problema e aprovou, em segunda discussão, o projeto de lei “Ônibus Seguro”. O objetivo, segundo o texto, é oferecer mais segurança aos passageiros do transporte coletivo rodoviário na Região Metropolitana, com a presença de policiais militares, civis e guardas municipais dentro dos ônibus.
O programa consiste na realização de convênio entre o governo do estado, as prefeituras da Região Metropolitana e a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor). O projeto é de autoria dos deputados Luiz Paulo (PSD), Cláudio Caiado (PSD), Alexandre Knoploch (PL) e Lucinha (PSD), e agora aguarda a sanção do governador Cláudio Castro (PL).
Aumento na presença de agentes de segurança
Segundo o texto, o convênio vai viabilizar a contratação de policiais militares, policiais civis e guardas municipais em seus dias de folga, por meio do Regime Adicional de Serviço (RAS), o que permite o aumento da presença de agentes de segurança sem a necessidade de comprometer o efetivo regular dos órgãos de segurança pública.
“A segurança pública não pode mais esperar. Temos que acabar imediatamente com esse jogo de empurra. A responsabilidade é de todos. Só com união vamos conseguir reverter essa situação caótica e devolver o mínimo de tranquilidade à população do Rio de Janeiro”, afirmou o deputado Luiz Paulo após a aprovação.
Perigos do projeto
Para Robson Rodrigues, no entanto, essa proposta é perigosa. Ele destaca que “se o projeto se resumir a simplesmente colocar policiais dentro dos ônibus, o risco de trocas de tiro dentro do transporte coletivo aumentará”. O especialista considera a proposta uma “medida reativa” e defende um sistema que realmente proteja os passageiros antes que o criminoso tenha acesso ao transporte, a fim de abordar a “raiz do problema”.
“Na minha visão, esse projeto de lei é uma temeridade. É preciso que haja uma revisão disso, com mais clareza para os nossos legisladores, especialmente considerando a lacuna deixada pelo Executivo, que ainda não apresentou um plano de segurança pública mais eficiente e eficaz. Esse tipo de proposta, muitas vezes aventureira, não contribui em nada e pode, inclusive, prejudicar a segurança pública. O governo precisa assumir a responsabilidade”, concluiu.