São 14h da sexta-feira antes da abertura dos desfiles na Passarela do Samba do Rio de Janeiro e os termômetros digitais ao sol da Avenida Presidente Vargas, no Centro, marcam 35 graus. No asfalto quente, quase 300 pessoas trabalham na maratona final para a preparação para o desfile da União do Parque Acari que se prepara para uma dupla estreia: a primeira vez na Série Ouro (a divisão de acesso das escolas de samba do Rio) e a primeira vez no sambódromo da Marquês de Sapucaí. A estreante será também a primeira a desfilar na Passarela do Samba Darcy Ribeiro no aniversário de 40 eventos do principal palco das escolas de samba do Brasil.
Sete horas antes da hora de pisar na avenida, o ritmo é acelerado na montagem dos carros alegóricos, o principal desafio estrutural para a preparação do desfile homenageando os 50 anos do Ilê Aiyê, mais antigo bloco afro da Bahia e do Brasil – são marceneiros, ferreiros, carpinteiros, mecânicos, costureiras, aderecistas, assistentes de todas as áreas, que andam de um lado para outro sobre o comando dos diretores e do carnavalesco André Tabuquine. Uma tropa contratada cuida do desembarque e encaixe nos carros das partes das esculturas que compõem as alegorias, que vão ganhando forma.
Essa maratona final começou na madrugada de quarta (07/02) para a quinta (08/02), quando os carros alegóricos e também o tripé que funcionou como elemento cenográfico da comissão de frente foram conduzidos do barracão da escola no bairro do Caju, no começo da Zona Norte, para a Cidade do Samba, na Gamboa, onde ficam os barracões das escolas do Grupo Especial, para facilitar a logística de deslocamento para as proximidades da Marquês de Sapucaí. No primeiro minuto de sexta, os carros da União do Parque Acari começaram a deixar a Cidade do Samba – quase uma hora depois, chegava à Presidente Vargas, em uma pista reservada para as alegorias das escolas que desfilariam na noite de sexta. Só às 11h, a pista principal para concentração das escolas foi liberada – a maioria dessa tropa de quase 300 pessoas já estava lá para os preparativos finais.
Estreante na Passarela do Samba, essa logística é um desafio a mais para a União do Parque Acari, escola nascida em 2018 da fusão do Favo de Acari e da Corações Unidos do Amarelinho, duas escolas deste bairro pobre da Zona Norte do Rio. “Estamos aprendendo e contando com a ajuda das coirmãs. Desfilar na Passarela é uma honra, um momento especial para nós, acostumados com o desfile na Intendente”, afirma, às 14h30, na pista da Presidente Vargas, o diretor-geral de Harmonia do Parque Acari, Hérico Marcelo, referindo-se à Estrada Intendente Magalhães, onde são realizadas as disputas das séries Prata e Bronze (respectivamente, terceira e quarta divisão das escolas de samba) e do Grupo de Avaliação.
Essa tropa segue no trabalho com a meta de deixar tudo pronto até as 18h, hora marcada para a chegada dos componentes, que, na maioria, vem das comunidades de Acari, de trem ou de metrô. Muitos estão com a fantasia desde a semana anterior. Mas parte dos integrantes foi obrigada a buscar a fantasia, poucas horas antes da estreia, no ateliê montado pela escola para seu primeiro desfile na Passarela. “O começo do ano foi difícil para todo o bairro de Acari e não foi diferente para a escola”, lembra o diretor Hérico, ainda durante o trabalho de montagem. Acari foi um dos bairros mais atingidos pelas enchentes em janeiro na Zona Norte do Rio e na Baixada Fluminense que deixaram 11 mortos e centenas de desalojados. O temporal atingiu o ateliê da escola: mais de 600 fantasias precisaram ser refeitas.
Fantasias mais elaboradas, como as da Ala das Baianas, são levadas pela própria escola para a concentração. Duas horas antes do desfile, as baianas vestem seu traje – serão a primeira ala a entrar na Marques de Sapucaí, logo depois da comissão de frente, que trouxe uma representação de Mãe Hilda Jitolú, fundadora do Terreiro Ilê Axé Jitolu, onde nasceu o Ilê Aiyê. Filho de Mãe Hilda e fundador do bloco afro, Antonio Carlos dos Santos – o Vovô do Ilê, como é conhecido – estará no terceiro carro alegórico da União do Parque Acari.
São pouco mais de 21h quando a União do Parque Acari entra pela primeira vez na Passarela do Samba – quase 20h depois dos carros alegóricos terem estacionado na Presidente Vargas, 10h depois da maratona final de trabalho. Na verdade, é a conclusão de quase um ano de trabalho: os preparativos para o Carnaval 2024 começaram, como em todas as escolas de samba, ainda no primeiro semestre de 2023; no caso da União do Parque Acari, com a definição das prioridades para o primeiro desfile na Marquês de Sapucaí. Em maio, o enredo – Ilê Aiyê: 50 anos de resistência e luta – já estava escolhido.
A escola desfila com a maior parte da arquibancada ainda está vazia, o público só está começando a chegar. Mas os quase 3000 componentes avançam com empolgação: especialistas em Carnaval destacam a boa evolução da escola, o compromisso com o canto do samba-enredo, a qualidade das alegorias. São 50 minutos de desfile: pouco depois das 22h, os componentes da União do Parque Acari já deixaram a Passarela. Parte daquela tropa mobilizada, porém, segue cuidando da dispersão, da retirada dos carros alegóricos, numa nova maratona que só vai terminar na tarde de sábado quando as alegorias motorizadas do desfile de sexta vão sendo deslocadas lentamente de volta aos barracões pelas ruas do Centro do Rio.
No fim do desfile, dirigentes e componentes – inclusive aqueles marceneiros, ferreiros, carpinteiros, mecânicos, costureiras e aderecistas, agora integrantes das alas da escola de Acari – se abraçam com a sensação do dever cumprido, da conclusão da longa jornada de trabalho que começou logo depois do fim do Carnaval de 2023. A comemoração será completa se eles conseguirem seu objetivo: ficar na Série Ouro para voltar a Passarela do Samba em 2025 com novos sonhos.
(A União do Parque Acari ficou em 13º lugar, entre 16 escolas, na Série Ouro e voltará a desfilar na Marquês de Sapucaí no ano que vem*)
*Atualizada em 15/02 para adicionar a colocação do Parque Acari na Série Ouro)