Enquanto o mundo acompanha os desdobramentos dos conflitos como a guerra entre Rússia e Ucrânia e as tensões entre Israel e povos árabes, o Rio de Janeiro guarda, de forma silenciosa, marcas de um passado que voltou ao centro das discussões: os bunkers antiaéreos construídos durante a Segunda Guerra Mundial.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 55 mil pessoas já morreram em Gaza nos últimos 20 meses. Já a guerra entre Rússia e Ucrânia, um levantamento do jornal “The New York Times”, de 2023, estimava cerca de 200 mil mortos.
Os números poderiam ser ainda maiores sem a existência de estruturas de proteção. Em Israel, por exemplo, uma lei de 1951 tornou obrigatória a construção de abrigos antiaéreos em todos os prédios.
Naquele país, em junho deste ano, os prefeitos de Macaé, Welberth Rezende (Cidadania), e de Nova Friburgo, Johnny Maycon (PL), precisaram se abrigar nesses bunkers durante ataques aéreos feitos pelo Irã.
Os políticos faziam parte de uma comitiva que fazia uma visita técnica a convite de autoridades locais. Também estavam no grupo o vereador carioca Flávio Valle (PSD), o chefe executivo do Civitas RJ, Davi de Mattos Carreiro, e o secretário de Ordem Pública de Niterói, coronel Gilson Chagas

Herança da Segunda Guerra
O que muitos cariocas desconhecem é que a cidade do Rio também esconde dezenas de abrigos subterrâneos, construídos durante o governo de Getúlio Vargas, com o objetivo de proteger a população de possíveis ataques nazistas.
“Tratava-se de um decreto-lei, de 6 de fevereiro de 1942. Havia um medo real de que o Brasil, especialmente as cidades litorâneas, fosse atacado pelos nazistas. Por isso, foram construídos bunkers e abrigos no Rio de Janeiro”, explicou Luciene Carris, pesquisadora do Laboratório de Imagem, Memória, Arte e Metrópole (IMAM) da UFRJ.
O decreto do então presidente regulamentava medidas de defesa passiva: obrigatoriedade de medidas de proteção contra ataques aéreos em edifícios públicos e particulares, determinava a construção de abrigos em edifícios com mais de cinco andares, de trincheiras ou de reforços estruturais e autorizava as forças militares a definirem zonas prioritárias.
Segundo Luciene, o decreto foi baixado logo após o ataque japonês à base americana de Pearl Harbor, em 07 de dezembro de 1941.
“As autoridades norte-americanas alertaram o governo brasileiro de que o objetivo de Hitler era realmente invadir o continente americano. Como consequência desse encontro, Brasil, Equador, Peru, Paraguai e Uruguai rompem as relações diplomáticas com as potências do Eixo. O governo brasileiro temia alguma retaliação, em especial depois de sua aproximação com as potências aliadas”, explicou a pesquisadora.
Pesquisa revela mais de 30 abrigos na cidade
Uma pesquisa do projeto “Bunker Paradies”, liderado pela antropóloga colombiana Ana Catalina Correa e pela arquiteta Isabella Cavallero, já mapeou ao menos 33 bunkers em áreas como o Centro e a Zona Sul.
“Muitas pessoas enviaram novos endereços, mas ainda não consegui comprovar. O próximo passo é acessar plantas baixas, pois às vezes a entrada para pesquisa é negada pelos síndicos”, contou Isabella.
Entre os locais identificados pela pesquisa estão:
- Edifício do Ouvidor, no Centro;
- “Tabuleiro da Baiana”, no Largo da Carioca;
- Subsolo da Praça dos Expedicionários, na Avenida Presidente Antônio Carlos (atualmente um estacionamento);
- Galeria Menescal, em Copacabana;
- Galeria do Edifício Ouvidor, no Centro;
- Subsolo do Copacabana Palace.

Na Avenida Mem de Sá, na Lapa, o governo de Getúlio também chegou a projetar um abrigo antibomba, mas o edifício nunca foi construído. A planta, disponibilizada pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio, mostra como esses bunkers eram projetados, com saída de emergência e depósito de água.
“Esses abrigos eram cuidadosamente planejados e integrados ao projeto arquitetônico desde as fases iniciais de construção. Diferentemente das estruturas convencionais, os abrigos contavam com paredes espessas de concreto armado, entradas discretas e sistemas de ventilação independentes, pensados para suportar impactos e permitir a permanência de pessoas por longos períodos. Alguns tinham áreas compartimentadas, reservas de água e alimentos, e saídas de emergência. Além disso, a profundidade e a localização eram estratégicas, priorizando áreas subterrâneas protegidas de explosões diretas”, explicou Pedro Vianna, historiador do Arquivo da Cidade.

Do refúgio ao abandono
Hoje, mais de 80 anos após a Segunda Guerra, muitos desses bunkers foram adaptados para outros usos — como garagens e depósitos — ou simplesmente abandonados. O que acontece é que, segundo a pesquisadora da UFRJ, muitos desses abrigos não poderiam ser usados hoje em dia para esse propósito porque não foram criados pensando nas novas tecnologias de destruição, criadas depois da guerra.
“Esses abrigos não poderiam ser usados hoje em função da evolução das armas de destruição em massa. Eles não foram projetados para resistir a ataques químicos, biológicos ou nucleares modernos, nem possuem sistemas de vedação e ventilação compatíveis com essas ameaças”, explica Luciene Carris.
Segurança em pauta no Rio na Cúpula dos Brics
A discussão sobre segurança e proteção da população ganha novo fôlego nesta semana com a Cúpula do Brics, que acontece na sexta-feira (4), no Rio. A cidade recebe autoridades da Rússia, país diretamente envolvido na guerra contra a Ucrânia, e membro do bloco que reúne Brasil, China, Índia, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e Indonésia.
Apesar de ter votado a favor de uma resolução da ONU contra a invasão da Ucrânia, o Brasil mantém postura neutra no conflito. A realização da cúpula, no entanto, reaquece os debates sobre segurança internacional, infraestrutura de proteção civil e o papel geopolítico do país no cenário global.