Em julho de 2013, pouco mais de quatro meses após ser eleito papa, Francisco, que teve a morte confirmada nesta segunda-feira (21), desembarcou no Brasil para sua primeira viagem internacional como líder da Igreja Católica. A visita ao Rio, marcada pela Jornada Mundial da Juventude (JMJ), foi mais do que um compromisso religioso: tornou-se um símbolo de diálogo, fé e desafio à tradição.
Nesta segunda-feira, tanto o governo federal quanto o Governo do Estado do Rio decretaram luto de sete e três dias, respectivamente, em homenagem ao papa Francisco. O governador Cláudio Castro (PL), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o prefeito Eduardo Paes (PSD) lamentaram a morte, destacando sua importância religiosa e cidadã, não apenas para os católicos, mas para o mundo.
Engarrafamento na Presidente Vargas
O primeiro pontífice sul-americano chegou à base aérea do Galeão no dia 22 de julho de 2013, sendo recebido pela então presidente Dilma Rousseff (PT). A recepção oficial incluiu um discurso em português no Palácio Guanabara, onde Francisco já dava o tom de sua passagem: acessível, próximo e sem medo dos imprevistos.
E os imprevistos vieram. Logo na chegada, o comboio papal ficou preso em um engarrafamento na Avenida Presidente Vargas. O próprio papa havia optado por não utilizar o papamóvel blindado, preferindo um carro simples com escolta mínima.
Agenda intensa
Durante a semana no Brasil, Francisco seguiu uma agenda intensa. Visitou o Santuário Nacional de Aparecida (SP), onde celebrou uma missa diante de mais de 200 mil pessoas. No Rio, esteve em favelas como Varginha, no Complexo de Manguinhos, na Zona Norte, onde rezou, ouviu moradores e até entrou na casa de uma família.
O papa também inaugurou um centro de recuperação para dependentes químicos no Hospital São Francisco, na Tijuca, também na Zona Norte, e almoçou com jovens na sede da Arquidiocese.
Evento em Copacabana
A Jornada Mundial da Juventude, evento anual da Igreja voltado aos jovens católicos, foi o principal motivo da visita. A Praia de Copacabana, na Zona Sul, recebeu 3,7 milhões de pessoas para momentos de oração, vigília e celebrações — entre elas, a Via Sacra e a Missa de Envio, que reuniu cerca de três milhões de pessoas.
Esquema de segurança
A visita do papa Francisco ao Brasil exigiu um esquema de segurança extremamente robusto, dada a magnitude do evento e as manifestações que marcaram sua passagem pelo país. Mais de 20 mil agentes de segurança, entre policiais militares, civis e membros das Forças Armadas, foram mobilizados para garantir a proteção do pontífice e dos fiéis.
Em Aparecida, cerca de 2 mil homens participaram da operação, com apoio da Polícia Federal. No Rio, a Marinha reforçou a segurança na orla e na Baía de Guanabara, enquanto o Exército organizou o controle de áreas com grande fluxo de peregrinos, como a Central do Brasil e a Praia de Copacabana. As tropas de operações especiais realizaram inspeções de segurança para prevenir ameaças químicas, biológicas e terroristas.
Manifestações de 2013
A visita também ocorreu em um momento de forte tensão social no Brasil. Meses após as manifestações de junho de 2013, novos protestos tomaram as ruas durante a JMJ. Atos criticavam os gastos públicos no evento e cobravam mais atenção a pautas sociais, como os direitos da população LGBTQIA+ e a legalização do aborto.
Entre os protestos, destacaram-se o “beijaço gay” em frente à Igreja da Glória e a “Marcha das Vadias” em Copacabana. A ONG Católicas pelo Direito de Decidir chegou a divulgar uma carta aberta ao pontífice, pedindo mudanças na postura da Igreja.
‘Diálogo’
Em seus discursos, o papa abordou as manifestações, destacando a necessidade de um diálogo respeitoso e construtivo, assim como o respeito pela separação entre a Igreja e o Estado. “Sempre há uma alternativa entre a indiferença e os protestos violentos: o diálogo”, afirmou.
Por fim, antes de voltar para Roma, ele encerrou sua jornada com palavras emocionadas sobre o Brasil.
“Parto com a alma cheia de recordações felizes — essas, estou certo, se tornarão oração. Neste momento, já começo a sentir saudades: saudades do Brasil, deste povo tão grande e de grande coração, deste povo tão amoroso”, afirmou.

O que disse Eduardo Paes
O prefeito Eduardo Paes (PSD), que também era o prefeito durante a visita do papa em 2013, lamentou a morte em suas redes sociais. Ele destacou que não se lembrava de ter estado com nenhuma outra pessoa que emanasse tanta humildade, coragem e fé.
Confira a nota na íntegra:
“Francisco nos deixa um dia após a Páscoa, da ressurreição de Cristo e a vitória da vida sobre a morte. Cumpriu com louvor sua missão ao comandar a Igreja em tempos tão desafiadores.
Tive a oportunidade de estar com o Santo Padre algumas vezes, sobretudo em razão da Jornada Mundial da Juventude, em 2013. Não me lembro de ter estado com nenhuma outra pessoa que emanasse tanta humildade, coragem e fé. Jamais me esqueço quando ele pediu para que nós, brasileiros, permitíssemos que ele pudesse adentrar em nossos corações, assim como Jesus fez no Evangelho.
Francisco nos ensinou, acima de tudo, que o amor de Jesus Cristo é o que une, cura e salva.
Fez da misericórdia seu ministério, da humildade seu testemunho e da justiça seu clamor. Ensinou que a Igreja é casa de portas abertas e que o abraço de Deus alcança todos, sem exceção.
Nosso pastor descansou. Resta a nós agradecer pelas suas palavras. Por ter sido um irmão que inspirou. Pelo ser humano que, como São Francisco de Assis, amou toda criatura desta Terra.
Que o Senhor receba Francisco em sua divina misericórdia!”.
O que disse Cláudio Castro
Em comunicado oficial, o governador Cláudio Castro (PL) também lamentou a morte. O governo do estado decretou, no Diário Oficial desta segunda-feira, luto de três dias no Rio, ressaltando a simplicidade do líder religioso, que dedicou sua vida a levar um sentimento de paz e fraternidade a todos.
Confira a nota na íntegra:
“O vazio deixado por ele parece insubstituível. Cresci na fé e é como um filho que sinto a perda deste líder religioso tão humilde, querido e corajoso, que dedicou sua vida a levar um sentimento de paz e fraternidade a todos. Francisco iluminou nossas vidas com esperança, amor e misericórdia, aproximando a Igreja de todos os povos.
Seu exemplo de amor ao próximo e de coragem para enfrentar os desafios nos inspira a seguir com esperança e fé. Inesquecível foi sua visita ao Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013. Seu exemplo nos inspira a construir um mundo mais fraterno e solidário. Sua memória e seu legado de amor permanecerão eternos em nossos corações. Gratidão pela sua missão, amado Francisco!”.
O que disse o presidente Lula
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também lamentou a morte do papa Francisco e decretou luto oficial de sete dias no Brasil. Lula destacou a trajetória do pontífice como uma referência de amor, solidariedade e luta contra a desigualdade.
Confira a nota na íntegra:
“A humanidade perde hoje uma voz de respeito e acolhimento ao próximo. O Papa Francisco viveu e propagou em seu dia a dia o amor, a tolerância e a solidariedade que são a base dos ensinamentos cristãos.
Assim como ensinado na oração de São Francisco de Assis, o argentino Jorge Bergoglio buscou de forma incansável levar o amor onde existia o ódio. A união, onde havia a discórdia. E a compreensão de que somos todos iguais, vivendo em uma mesma casa, o nosso planeta, que precisa urgentemente dos nossos cuidados.
Com sua simplicidade, coragem e empatia, Francisco trouxe ao Vaticano o tema das mudanças climáticas. Criticou vigorosamente os modelos econômicos que levaram a humanidade a produzir tantas injustiças. Mostrou que esse mesmo modelo é que gera desigualdade entre países e pessoas. E sempre se colocou ao lado daqueles que mais precisam: os pobres, os refugiados, os jovens, os idosos e as vítimas das guerras e de todas as formas de preconceito.
Nas vezes em que eu e Janja fomos abençoados com a oportunidade de encontrar o Papa Francisco e sermos recebidos por ele com muito carinho, pudemos compartilhar nossos ideais de paz, igualdade e justiça. Ideais de que o mundo sempre precisou. E sempre precisará.
Que Deus conforte os que hoje, em todos os lugares do mundo, sofrem a dor dessa enorme perda. Em sua memória e em homenagem à sua obra, decreto luto de sete dias no Brasil.
O Santo Padre se vai, mas suas mensagens seguirão gravadas em nossos corações”.