“Why are you demanding so much censorship in Brasil?” Esse foi o recente questionamento de Elon Musk, no último sábado (6), ao ministro Alexandre de Moraes ao fazer alusão à uma suposta ingerência excessiva do poder judiciário na regulação das redes sociais no Brasil. O ataque ao ministro deu-se em razão da publicação do Twitter Files Brasil por um jornalista estrangeiro que, supostamente, traria um compilado de e-mails corporativos do ex-Twitter contendo reclamações corporativas da rede a respeito de decisões judiciais regulando excessos no exercício da liberdade de expressão, especialmente controlando a propagação de fake news. Em ato sequente, no dia seguinte, o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, defendeu a urgente regulamentação das redes sociais no Brasil. E o fez certo.
No Brasil, o tema é regulado pelo Marco Civil da Internet, promulgado em 2014. Segundo a lei, a retirada de qualquer conteúdo de circulação na internet depende de uma decisão judicial específica. É dizer, portanto, que a vítima de uma postagem racista, misógina, xenófoba, sexista ou que contenha fake news deve, antes, contratar um advogado ou advogada, reunir documentos, protocolar uma ação, esperar um juiz analisar o pedido, fazer chegar à outra parte a decisão do juiz para, então, ver protegida sua intimidade, dignidade e privacidade. Não bastará uma carta à rede social, um e-mail ou uma denúncia na própria plataforma. Todo esse calvário, criado pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet, deverá ser percorrido pela vítima. A única exceção da lei se aplica aos casos de conteúdos pornográficos.
A opção feita pelo Marco Civil, à pretexto de proteger a liberdade de expressão, cria no Brasil uma proteção intensa às redes sociais, fragiliza a vítima e mostra o descompasso entre a rapidez com que circulam conteúdos ofensivos na rede com a lentidão típica de um processo judicial, em um país com 84 milhões de processos em tramitação, segundo dados de 2023 do CNJ. Enquanto na Europa o número novo de casos judiciais por cem habitantes é de 3,57, no Brasil estamos na casa dos 14,68 processos. Deixar com que o Poder Judiciário seja o árbitro desse conflito digital, marcado pela rapidez e instantaneidade, é uma opção equivocada.
Regular a responsabilidade das redes é medida urgente. No Congresso Nacional, o PL das Fake News (PL 2630/20 e apensados), de autoria do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), está parado na casa desde março de 2022. Se a inércia do Poder Legislativo impede a regulação da matéria, caberá, gostem ou não, ao Poder Judiciário, especialmente ao Supremo Tribunal Federal, decidir a respeito da constitucionalidade ou não do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Duas ações tramitam no Supremo a respeito do tema: uma de relatoria do ministro Dias Toffoli e outra de relatoria do ministro Luiz Fux. Em março de 2023, o Supremo realizou ampla audiência pública com os amigos da Corte, reunindo professores e advogados para ouvir os dois lados da moeda. Desde então, o Congresso Nacional mantém-se inerte, prevalecendo a regulação do moroso e burocrático artigo 19 do Marco Civil.
É chegada a hora de regular a matéria para pacificar os dissensos em torno do tema. Se o Congresso Nacional não alcançou unanimidade quanto ao tema, cabe ao Supremo Tribunal Federal, guardião das liberdades e garantias individuais, regular os excessos no exercício da liberdade expressão. É preciso, pois, regular para pacificar.
João Quinelato
Doutor e mestre em Direito Civil pela UERJ. Diretor Geral da Escola Superior da Advocacia da OABRJ. Professor de Direito Civil do Ibmec